quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Sagarana



Sagarana;


Sagarana reúne nove contos nos quais estão presentes os temas básicos de João Guimarães Rosa: a aventura, a morte, os animais forizados em gente, as reflexões subjetivas e espiritualistas. Cinco deles - O burrinho pedrês, Duelo, São Marcos, A hora e a vez de Augusto Matraga e Corpo fechado - trazem para os sertões de Minas Gerais peripécias de antigas histórias épicas ou heróicas. O lirismo dos temas do amor e da solidão transparece em Sarapalha e Minha gente. Em A volta do marido pródigo há uma espécie de heroísmo gaiato, enquanto que as reflexões sobre o poder e a fraqueza centralizam-se em Conversa de bois.

O narrador dos contos de Sagarana muitas vezes caracteriza como folclóricas as histórias que conta, inserindo nelas quadrinhas populares e dando-lhes um tom épico e/ou de histórias de fada. Por exemplo, temos o Era uma vez que inicia o conto O burrinho pedrês [Era um burrinho pedrês]. Neste conto, assim como em Conversa de bois e em A volta do marido pródigo, os animais se transformam em heróis, questionando o saber dos homens com o seu suposto não saber.

A onisciência do narrador dos contos em terceira pessoa [O burrinho pedrês, A volta do marido pródigo, Sarapalha, Duelo, Conversa de bois e A hora e vez de Augusto Matraga] é propositalmente relativizada, dando voz própria e encantamento às narrativas e acentuando sua dimensão mítica e poética. Percebemos, ainda, a alternância de focos narrativos no diálogo de instrumentos - uma clarineta insinuante, fanhosa e meio fraca [associada ao personagem Turíbio] e uma tuba solene, penetrante, mas arquejando pelo esforço [associada ao personagem Cassiano] - em Duelo. Em Sarapalha, o contraponto de tempos verbais, passado e presente - o passado relacionado à impotência e à saudade da esposa de um dos protagonista, o presente ao momento da doença vivido pelos dois primos - contribui para reforçar a atmosfera de dor e isolamento, de claustrofobia, em que se encontram os personagens.

Nos contos em primeira pessoa - São Marcos, Minha gente, Corpo fechado - evidencia-se o universo primitivo e fantástico de Guimarães Rosa. O personagem-narrador de São Marcos, por exemplo, se diz avesso à feitiçaria e às outras artes mas se refere a elas constatemente e as acaba utilizando. Outro exemplo é o matuto Manuel Fulô, de Corpo fechado, que conta as suas histórias do sertão ao homem da cidade [como Riobaldo, em Grande sertão: veredas].

Finalmente, em Minha gente, um dos contos mais bem tramados do livro, a história principal é emendada, alterada, recontada por pequenos detalhes e elementos dados pouco a pouco ao leitor. O foco narrativo ilumina os passos do protagonista, mas também revela certas sutilezas que servem para esclarecer o sentido mais profundo da história. Há uma partida de xadrez, narrada no início, que mostra como se deve entender o enredo em si: um xeque, dado pelo protagonista, acaba se virando contra ele próprio. Assim, a narração insinua ao leitor que as aparências dos fatos escondem, mais que revelam, sua verdadeira intenção.

Repletos de histórias dentro de histórias, de digressões filosóficas e de monólogos interiores que desvendam o universo dos homens, dos bichos e das cisas, os contos de Sagarana nos permitem uma espécie de ritual de iniciação, ao longo da leitura. Esta iniciação ocorre se conseguirmos compreendê-los em sua simbologia, na cosmovisão alógica, mágica, mítica e poética que humaniza em sentido profundo os protagonistas - aparentemente apenas sertanejos dos Gerais - e universaliza o sertão. O sertão é o mundo, diz o Riobaldo de Grande sertão: veredas.


Um comentário:

Pitty disse...

Me ajudou muito no meu trabalho...